O Futuro do Recrutamento em IT em 8 perguntas

Numa recente entrevista para revista Pessoas, do jornal Eco, o COO da KWAN, Duarte Gorrão Fernandes, partilhou a sua opinião sobre como a tecnologia vai afetar os processos de recrutamento do futuro. A propósito dessa entrevista, reunimos um conjunto de perguntas e respostas relacionadas com o Futuro do Recrutamento em IT.

[Nota do editor: este artigo foi originalmente publicado em Junho de 2020 e revisto de forma a melhorar a compreensão e a pertinência do mesmo].

O artigo “O Futuro do Recrutamento é Tecnológico” de Sara Calado está disponível na íntegra na edição impressa Maio/Junho 2020 da revista Pessoas e também online. Os entrevistados do artigo incluem André Ribeiro Pires, da Multipessoal; Miguel Abreu, da Ray Human Capital; François-Pierre Puech, da Robert Walters; Carlos Maia, da Hays Portugal; e Pedro Oliveira, da Landing.jobs; e o tema de capa é a importância da saúde mental nas empresas.

Seguimos em formato Q&A com Duarte Gorrão Fernandes, COO da KWAN:

1 – Há quanto tempo atuam no mercado e o que diferencia a KWAN das restantes empresas?



A nossa atividade remonta a 2007, ano em que o dono e fundador do Grupo RUPEAL (grupo que detém a KWAN), decidiu lançar-se como empreendedor porque “Um developer acreditou numa forma diferente de recrutar: Tratar as pessoas com o respeito que merecem.”




A filosofia KWAN, inspirada no filme de 1996, Jerry Maguire, passa por servir o profissional de tech, o candidato, sendo o nosso principal foco encontrar os melhores projetos profissionais para as pessoas que conhecemos. O nosso foco está em conhecer os melhores profissionais para lhes apresentar o melhor projecto, ao passo que o restante mercado está mais focado em ir à procura do talento para preencher as vagas dos clientes. Pode parecer uma nuance, mas na hora de se tomarem decisões difíceis, a diferença é enorme no que toca a que estas sejam mais em prol das pessoas.




Recrutar, manter e desenvolver equipas tech está no nosso ADN, uma vez que desenvolvemos os nossos próprios projectos e produtos, dos quais o mais reconhecido no mercado é o InvoiceXpress (software certificado de facturação online). Por este motivo a KWAN compreende perfeitamente os desafios de cada cliente, não só na óptica do fornecedor, mas porque temos no grupo os mesmos desafios de talento que os clientes para os quais recrutamos. Este ponto é diferenciador do mercado na medida em que a grande maioria das empresas que actuam no sector do recrutamento estão focadas em encontrar os candidatos, mas não conhecem de forma directa os desafios de gerir e manter as equipas em produtos seus.




Os projectos tecnológicos que encontramos para os profissionais que trabalham connosco podem ser realizados desde os nossos escritórios, em Lisboa e no Porto, ou directamente nas instalações dos nossos clientes nacionais e internacionais.


2 – O setor de IT continua a ser uma área onde há mais procura do que mão de obra. Quais as características do recrutamento neste sector?



Ao contrário do que acontece noutros setores, as Tecnologias da Informação gozam de empregabilidade plena, uma vez que aqui o ativo mais escasso são os profissionais especializados em tecnologia e não tanto as empresas que os contratam.




Este facto leva a que as abordagens ao recrutamento precisem de ser diferentes. Na maioria dos casos o profissional de tech não vai responder a um anúncio de emprego, porque não precisa, então é necessário tratá-lo como se de um cliente se tratasse. Com base no seu perfil vamos procurar ativamente um projeto de acordo com as suas motivações, soft e hard skills, quer seja junto dos nossos atuais clientes ou em novos clientes em Portugal e no estrangeiro.




Sempre que abordamos alguém no mercado, a maioria das vezes esta pessoa não está em procura ativa de emprego e é necessário ter a capacidade de acrescentar valor à abordagem, oferecendo algo em troca, para depois termos legitimidade para iniciar uma conversa, da qual é preciso ter-se consciência que poderá não resultar num recrutamento imediato, mas que poderá vir a ser útil no futuro. Se a pessoa não está ativamente à procura, só mudará para algo que acrescente real valor à sua carreira.




Uma das estratégias que utilizamos é a de dar a conhecer quais os salários do mercado com a nossa Tech Salary Calculator, de forma a que quem recorre a esta ferramenta nos reconheça como uma referência de conhecimento acerca do mercado a quem pode recorrer na altura de decidir que está na hora de mudar de emprego. Meet-ups, e-books, blog posts, etc, são mais algumas estratégias que podem ser utilizadas na mesma ótica.

Pode acontecer iniciarmos uma conversa com um excelente candidato, mas que servi-lo verdadeiramente possa significar aconselhá-lo a ficar onde está, mantendo uma conversa ao longo do tempo, para que quando faça de facto sentido mudar seja para algo realmente desafiante e enriquecedor.

É ainda obrigatório que as empresas desenvolvam estratégias onde tenham em conta um candidate lifecycle longo e não apenas focado no imediato, e durante o qual poderão ser encetadas várias discussões e cujo desfecho pode demorar meses e em alguns casos até anos. Pode acontecer iniciarmos uma conversa com um excelente candidato, mas que servi-lo verdadeiramente possa significar aconselhá-lo a ficar onde está, mantendo uma conversa ao longo do tempo, para que quando faça de facto sentido mudar seja para algo realmente desafiante e enriquecedor. Ao longo da minha carreira profissional, cheguei a ser cliente de várias empresas que actuam neste mercado e a norma era procurarem convencer as pessoas em vez de as servir, resultando muitas vezes numa colocação em projeto que garante uma faturação para a empresa, mas que não seria o ideal para o candidato.

Ainda relativamente às particularidades do setor, é de enorme importância referir que estes profissionais são abordados via LinkedIn dezenas, e em alguns casos até centenas de vezes por mês, pelo que precisa de ser feito com o devido cuidado e com particular foco nas necessidades da pessoa, e não nas necessidades da empresa. As agências (também chamadas de consultoras) que pressionam os seus recrutadores a angariar candidatos via LinkedIn de forma descontrolada, para fecharem negócio rápido nos seus clientes, estão a focar-se nos seus resultados e não em servir o candidato. Ora num mercado de escassez de profissionais isto é receita para a catástrofe.

3 – Numa empresa como a KWAN, que constrangimentos surgiram com as medidas de contingência da pandemia?



Vivemos tempos de facto diferentes e efetivamente as medidas de contingência são um “remédio” com demasiados efeitos secundários na economia, e são ainda assim o melhor que temos para já.

A nossa primeira preocupação, assim que percebemos que a pandemia ia chegar a Portugal, e ainda na semana anterior às primeiras medidas de contingência, foi ter todas as nossas pessoas a trabalhar remotamente a partir de suas casas, uma vez que a natureza do nosso trabalho assim o permite.

Houve algum desafio com algumas das pessoas que temos a trabalhar em clientes cuja criticidade e caraterísticas dos projectos não permitiram que as pessoas começassem em teletrabalho de forma tão ágil como gostaríamos, mas foi possível ainda assim fazê-lo em poucos dias. De forma a proteger os nossos colaboradores, chegámos a considerar tomar medidas extremas e perder negócio caso os nossos clientes não conseguissem ter a capacidade de ter os projetos preparados para trabalho remoto. Felizmente os clientes com que trabalhamos desdobraram-se em esforços para conseguirem agilizar esta situação e os nossos colaboradores foram sensíveis ao desafio dos nossos clientes, o que tornou tudo mais fácil.

Entretanto, muitos dos nossos parceiros deixaram de ter a necessidade de sub-contratar tantos recursos, fruto de perda de projetos a nível nacional e internacional, e tivemos algumas das equipas, que estão sub-contratadas a estes parceiros, a serem dispensadas. A equipa de Ambassadors of KWAN formou uma task force específica focada em realocar estas pessoas a projetos internos do Grupo, assim como a projetos de outros clientes cujos setores de atividade dispararam em necessidade de mão de obra altamente qualificada (por exemplo, o comércio digital).

Os media têm-nos posto a par dos lay-offs e despedimentos que estão a ocorrer e na KWAN estamos a fazer tudo o que está ao nosso alcance para não termos de dispensar ninguém, sendo que em alguns casos alargámos inclusivamente os prazos em que estamos dispostos a manter um colaborador mesmo sem ter um projeto ao qual o alocar. Esperamos conseguir manter toda a gente, e inclusivamente entrar em novos clientes com este talento que ficou agora imediatamente disponível, assim como recrutar mais profissionais para as nossas equipas, mas estamos cientes de que vivemos num clima de enorme incerteza e o contexto poderá mudar da noite para o dia, forçando-nos a poder ter de considerar soluções diferentes.

4 – O que tem mudado na atividade da KWAN?



No que respeita ao dia a dia de trabalho tudo mudou! Transferir toda a operação da empresa para trabalho remoto obrigou a alguns ajustes. Deixámos de nos encontrar na copa ou no lounge para passarmos a conviver no Zoom ou Skype, no café virtual às 14h, ou num Monday Breakfast às 9h, por exemplo.




As reuniões passaram todas a ser por video call, assim como os Onboardings de novos colaboradores ou as celebrações de aniversários.




Os pequenos sucessos continuam a ser celebrados, mas em vez de ser com um bolo na copa, é através de algumas palavras de praise na nossa plataforma de comunicação interna, na qual até partilhamos o que está a ser o nosso almoço nesse dia.




Manter canais de comunicação formais e informais tem sido chave para que a cultura sofra o menos possível com este afastamento forçado. Esse é um papel importantíssimo dos líderes.




Ao nível de novos pedidos sentimos um ligeiro abrandamento, mas não tanto em quantidade de pedidos, e sim no tempo que as decisões acabam por tomar, fruto da adaptação dos nossos clientes ao novo contexto que agora vivemos. Precisamos de perceber que um cliente da área da banca com 5.000 colaboradores não pode ter a mesma agilidade de transação e adaptação a uma situação totalmente nova que tem uma start-up com 10 pessoas.




Outra coisa que mudou, e que é especialmente gratificante, foi o facto de algumas das empresas com as quais temos relação, e que estão a ter de reduzir as suas equipas por força das circunstâncias, quererem ter um papel ativo na re-integração das pessoas e por isso têm-se disponibilizado a ajudar pro-bono no outplacement dos seus profissionais, procurando integrá-los em projetos nossos ou de parceiros, ajudando na preparação do CV entrevistas, negociação salarial, reorientação do perfil tecnológico, ou simplesmente a servir de orientadores nas suas questões relativas ao mercado de trabalho tecnológico.


5 – Muitas empresas de recrutamento estão a criar soluções tecnológicas. Como será o papel da tecnologia no futuro do recrutamento?



A minha crença particular é que por muito que a tecnologia seja um facilitador e potenciador da atividade humana, em muitas áreas o contacto humano continuará a ser primordial, e o recrutamento é uma delas.

Acredito na utilização de inteligência artificial para captar e avaliar talento. Acredito na utilização de ferramentas tecnológicas para facilitar a organização dos processos, pesquisas de candidatos em bases de dados, comunicação entre candidatos, empresas de recrutamento e cliente final. E muito tem acontecido nesta área, com a utilização de Applicant Tracking Systems cada vez mais sofisticados e com funcionalidades que facilitam a vida do recrutador na triagem curricular e gestão dos processos de recrutamento, recorrendo a AI, pesquisa semântica, comunicação em tempo real, etc.

Porém, recrutar num mercado de escassez de candidatos, não é fazer 10.000 triagens, 1.000 entrevistas, testes psicotécnicos, dinâmicas de grupo, tech challenges, etc, para preencher uma posição, ainda que nestes pontos já haja tecnologia a fazê-lo relativamente bem com pouca intervenção humana. Quando há escassez de candidatos, mais que tudo o que foi descrito, que até pode ser bastante útil, o mais importante é conhecer as motivações profundas da pessoa e procurar fazer o match com as motivações profundas do cliente, sendo que o fit cultural é apenas uma dimensão das motivações profundas em jogo. E na grande maioria dos casos, essas motivações são altamente subjetivas, emocionais e por vezes até inconscientes.

Além disto, é preciso muitas vezes ajudar a que a pessoa compreenda que aquele é o melhor caminho para si (ou não), algo que um especialista no mercado poderá saber e o candidato ainda não se ter apercebido de todas as dimensões da situação. Existem ainda muitos casos em que nem é o candidato que é o grande decisor da aceitação de um projeto, mas sim a sua família, a sua esposa/marido e os seus filhos. Ora nem a mais potente inteligência artificial com recurso a um computador quântico consegue lidar com a quantidade de variáveis subjectivas e emocionais que estão por detrás da decisão que um humano faz, e mesmo que lá cheguemos um dia, é preciso primeiro que se generalize e se torne comercialmente viável.

Ainda que eu creia que chegaremos um dia ao momento da Singularity, na qual teremos uma Super General AI, capaz de ser superior aos humanos em todas as dimensões daquilo que significa ser humano, acredito também que os defensores da chegada desse momento nos próximos anos não têm em conta um conjunto de desafios novos que vão surgindo entretanto. Enquanto entusiasta e curioso desta temática creio que estamos a mais de uma centena de anos de lá chegar.

O recrutamento é inerentemente uma people-centric activity cujos maiores desafios são desafios comportamentais e subjetivos que não serão para já resolvidos apenas com o recurso à inteligência artificial. O futuro desta atividade será por isso facilitado pela tecnologia para todas as partes envolvidas, sobretudo em mercados e posições de volume de contratação, mas continuará a ser na sua grande maioria desenvolvido por humanos de uma forma mais ou menos semelhante à que é hoje: entre pessoas!

6 – Os constrangimentos poderão trazer oportunidades?



Muito se tem falado acerca da transformação digital estar a ocorrer verdadeiramente agora, e de forma forçada, pelo facto de os negócios terem de se reinventar rapidamente para sobreviverem à mudança repentina do contexto.




Passar por esta transformação requer talento especializado em tecnologia e, no nosso caso, é nisso que somos especializados: Encontrar, contratar e desenvolver talento tech. Por isso sim, cremos que as oportunidades, no nosso caso, serão bastante superiores aos constrangimentos que estamos a viver agora.


7 – Irá este período alterar o futuro do recrutamento no mercado tecnológico?



Não creio que mude grande coisa. O nosso ritmo de entrevistas mantém-se, assim como a disponibilidade dos candidatos para fazerem entrevistas.

É um mercado no qual o desenvolvimento de actividades remotamente é algo normal, pelo que a única diferença é que aumentou o recurso a tecnologia tão vulgar quanto a vídeo-chamada.

Os constrangimentos com os quais as empresas têm de lidar poderão atuar como um catalizador de uma adoção massiva da entrevista por vídeo-chamada, pelo menos numa fase inicial dos processos, e creio que poderá por isso haver uma oportunidade de se vir a adotar com maior rapidez tecnologias de apoio ao recrutador na entrevista virtual, como sejam a análise de micro-expressões do candidato, ou até a simples gravação da entrevista para revisão posterior. No entanto este é um “terreno pantanoso” e com um enquadramento moral e ético complexo e difícil de legislar.

8 – Que potencialidades e fragilidades podem existir em processos de recrutamento mais tecnológicos no futuro?



A grande fragilidade que identifico é a escassez de recursos estar a aumentar fruto de duas forças que apontam para caminhos opostos e que estão a criar um fosso cada vez maior no “meio”:


  • O envelhecimento populacional por um lado, que limita o acesso a novos profissionais ao longo do tempo, transversalmente a todos os setores;


  • A cada vez maior dependência tecnológica, também transversal a todos os sectores. Se ontem as empresas de tecnologia pura eram as que contratavam talento tech, hoje todas as empresas recorrem à tecnologia na senda de maior eficiência e precisam de contratar estes profissionais.




    Há ainda alguns estudos que indicam uma diminuição da preferência por formação em tecnologias de informação e ciências computacionais, o que aponta no mesmo sentido do envelhecimento da população, limitando as pessoas disponíveis nesta área.




    Por outro lado, se a oferta diminui e a procura aumenta há aqui uma oportunidade para as empresas que saibam recorrer às melhores estratégias de atração de Talento se distanciarem ainda mais da concorrência. É neste campo que a KWAN se assume como uma mais-valia para os seus clientes, que podem confiar-nos a atração de talento tech, em que somos especializados, para se focarem nas suas actividades principais.